Última atualização em 23/02/2018 por admin
Mesma companhia deu aval a investimentos suspeitos e depois auditou números do fundo
Fabio Serapião e Fernando Nakagawa, O Estado de S.Paulo
22 Fevereiro 2018 | 05h00
BRASÍLIA – Após dar aval a investimentos fracassados de quase R$ 500 milhões do fundo de pensão dos Correios, a empresa Baker Tilly Brasil foi posteriormente contratada pelos gestores do Postalis para auditar a mesma carteira de investimentos. O resultado dessa auditoria reforçou a decisão da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do setor, de intervir no fundo de pensão dos funcionários dos Correios.
A Operação Pausare, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal – deflagrada há duas semanas e que investiga operações financeiras do Postalis –, revelou que a Baker Tilly estaria envolvida em um esquema responsável por conduzir o Postalis a investimentos que resultaram em prejuízo milionário ao fundo.
O procurador Ivan Marx e o delegado Luiz Flávio Zampronha, responsáveis pela Pausare, sugeriram em relatório que fosse investigado o envolvimento da empresa no esquema de desvios no fundo por conta da sua participação “nas sucessivas avaliações utilizadas nas demonstrações financeiras do patrimônio do fundo, realizadas em auditorias independentes
Quatro anos depois, em 2014, a mesma Baker Tilly foi novamente contratada pelos gestores, dessa vez para auditar os números do mesmo fundo de pensão dos Correios. A empresa produziu relatórios desde então até 2017, quando, ao analisar as contas do ano anterior, disse que não poderia constatar a veracidade de todos os dados apresentados pelo Postalis.
Avaliação. A legislação brasileira define que é vedado ao auditor prestar serviços de consultoria “que possam caracterizar a perda da sua objetividade e independência”. Entre os serviços vetados mencionados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estão a avaliação de empresas, reavaliação de ativos e outro serviço “que influencie ou que possa vir a influenciar as decisões tomadas pela administração da instituição auditada”.
O aparente conflito de interesse foi descartado pelo diretor de consultoria da Baker Tilly Brasil, Marco Túlio Fiorese. “Nunca fomos contratados do Postalis ao mesmo tempo para auditoria e consultoria”, disse o executivo. Os serviços de consultoria ocorreram em 2010 e 2011, disse Fiorese, enquanto o serviço de auditoria se deu somente a partir de 2014.
Um possível conflito de interesse envolvendo a Baker Tilly, porém, já havia sido apontado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na Operação Pausare. Ao avaliar o investimento no projeto “Nova Bolsa”, os investigadores notaram que “a referida empresa de auditoria já havia sido contratada pelos próprios responsáveis pelo empreendimento, sendo evidente o conflito de interesses e a falta de imparcialidade da Baker Tilly Brasil”.
Sem comentar o caso específico da Baker Tilly, o vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Idésio Coelho, explica que a contratação de uma empresa para auditar números após ter prestado serviços de consultoria pode acontecer, desde que não seja ao mesmo tempo. Ele nota, porém, que há casos em que a empresa de auditoria pode simplesmente declinar do contrato.
Procurada, a CVM informou que, por ser um fundo de pensão, o Postalis não está sob jurisdição da entidade. “Assim, a contratação por ela de empresa de auditoria não está abrangida pelo regime da Instrução 308 e, portanto, não há que se falar em eventual violação”. Já a Previc informou que não comenta casos específicos.
:: PARA LEMBRAR ::
A Operação Pausare foi deflagrada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal no dia 1.º deste mês. A investigação apura possíveis irregularidades em investimentos do fundo de pensão dos funcionários dos Correios, o Postalis.
Para os investigadores, o suposto esquema criminoso teria a participação de dirigentes do fundo, gestores dos investimentos, empresas e agência avaliadoras. Estão na mira da Pausare três investimentos do Postalis que somam quase R$ 600 milhões que teriam resultado em prejuízos milionários para o fundo.
A Pausare é consequência de um conjunto de auditorias de órgãos de controle encaminhados ao MPF, que identificaram má gestão, irregularidades e impropriedades na aplicação dos recursos do Postalis. No total, a investigação cumpriu mandados no Rio, Distrito Federal, São Paulo e Alagoas.