Última atualização em 19/07/2017 por admin
Investigação apura atuação de Eduardo Cunha em rombo de R$ 2 bilhões no fundo de pensão da Cedae
Os fundos eram administrados por ex-funcionários da Caixa Econômica Federal e da Companhia, indicados pelo ex-deputado e que trabalhavam sob sua orientação
17/07/2017 – 09H54 – ATUALIZADA ÀS 09H58 – POR AGÊNCIA O GLOBO
As colaborações premiadas do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro, em fase de negociação, vão trazer à tona, se homologadas pela Justiça, um esquema que, em 15 anos, aumentou de R$ 75 milhões para cerca de R$ 2 bilhões o rombo na Prece, como é chamada a previdência complementar dos funcionários da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).
Os fundos eram administrados por ex-funcionários da Caixa Econômica Federal e da Cedae, indicados pelo ex-deputado e que trabalhavam sob sua orientação. As operações, que se estenderam de 2002 até este ano, são alvo de investigação de Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo confirmou O GLOBO. E vão muito mais além das transações já investigadas pela força-tarefa da Lava-Jato no esquema de Cunha, Funaro e Fabio Cleto (ex-vice-presidente da Caixa) no fundo de investimento FI-FGTS.
Um dos integrantes eleitos do Conselho Deliberativo da Prece, Valdemir de Carvalho responsabiliza a Cedae pela totalidade do rombo bilionário nos fundos. Segundo ele, os participantes sempre se opuseram à maneira como as aplicações eram feitas no mercado, questionando os maus resultados e a falta de transparência, denunciados ao MPF e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc):
— Os indicados da Cedae que autorizaram as operações foram sempre questionados pelos representantes dos trabalhadores, que votavam contra suas decisões e faziam notificações judiciais e denúncias no MPF. Portanto, para nós, a Cedae é responsável pelo rombo de quase R$ 2 bilhões.
Carvalho explica o tamanho dos defaults, como são chamados os prejuízos:
“O rombo total são os defaults de R$ 1,1 bilhão mais R$ 788 milhões de déficit apurado nos planos. A grande maioria dos defaults foi o Eduardo Cunha que operou através de seus interlocutores no mercado e na Prece.”
Os fundos de pensão são um tipo de investimento no qual o trabalhador contribui com uma parte do salário para ter uma renda maior na hora de se aposentar. Com patrimônio bilionário, injetam o dinheiro em aplicações e projetos em busca de retorno financeiro. Sob influência de políticos, negócios arriscados podem resultar em prejuízos e colocar em risco a aposentadoria extra de milhares de trabalhadores.
Eduardo Cunha tem influência sobre as indicações de diretores da Cedae e da Prece desde o governo de Rosinha Garotinho, há 15 anos. De lá para cá, o esquema se sofisticou e ficou conhecido dentro da estatal como “escola do crime”, porque alguns dos funcionários chegaram a fazer cursos de especialização — bancados pela empresa — apenas para operar melhor no mercado, só que em favor do ex-deputado e em prejuízo da companhia.
A ascendência de Cunha sobre a Cedae e a Prece durante esse tempo aparece na colaboração premiada do ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Jonas Lopes, que narrou detalhes de encontros com o ex-deputado. Num de seus relatórios sobre operações suspeitas, a CVM apontou que Cunha “estava inserido, de acordo com ele mesmo, dentro de um contexto político, na época, que o aproximava dos dirigentes da Cedae”.
Com sua influência consolidada na Cedae e na Prece para nomear pessoas ligadas ao setor de investimentos, o ex-deputado passou, segundo pessoas que trabalham na Prece, a investir na compra e venda de títulos podres. Uma das transações, feita ainda em 2004 e 2005, acendeu um sinal de alerta na CVM. Cunha obteve lucro de R$ 917 mil, mas a Prece registrou prejuízo. Investigações da CVM e do Ministério Público Federal chegaram à conclusão que o resultado seria impossível porque o ex-deputado teria de ter tido mais sorte que um ganhador da Mega-Sena, de acordo com documento enviado pelos investigadores ao Supremo Tribunal Federal.
Nas apurações, ficou nítido que os “investidores” tomavam conhecimento prévio do resultado que as operações iriam gerar e deixavam para os fundos todos os negócios com preços desfavoráveis, enquanto alguns determinados clientes das corretoras operavam compras e vendas do mesmo contrato futuro que, invariavelmente, resultavam em “ajustes do dia” positivos, de maneira que “todos os prejuízos ficavam para os fundos e todos os lucros para determinados clientes das corretoras, dentre eles Eduardo Cunha e Lúcio Funaro”.
A série de maus investimentos levou os participantes da Prece a ver seu patrimônio ser dilapidado nos últimos 17 anos. No ano 2000, o fundo de previdência chegou a dar lucro de R$ 26 milhões, mas parou por aí. O prejuízo, que já estava em R$ 75 milhões em 2002, saltou para R$ 147 milhões, em 2003; R$ 236,5 milhões, em 2004 e alcançou os R$ 300 milhões em 2005, ano em que a Prece foi alvo da CPI dos Correios.
Procurada, a Prece afirmou que “a atual diretoria, conselhos deliberativo e fiscal são compostos, em sua totalidade, por participantes dos planos de benefícios administrados pela entidade, o que, sem dúvida, confirma o grau de comprometimento e confiança com os seus objetivos e que cumpre a exigência da Previc para atender a uma série de requisitos para exercerem seus cargos”.
A respeito do pagamento de cursos a funcionários treinados para atuarem no mercado financeiro, a entidade disse que possui “um corpo técnico altamente qualificado e capacitado e uma equipe com graduação em instituições de ensino renomadas, além de larga experiência de mercado”.
A Prece não comentou a influência política de Cunha em seus quadros, tampouco respondeu às perguntas sobre o aumento do rombo por investimentos malsucedidos.
A defesa de Cunha, que continua preso, afirmou que não tomou conhecimento das investigações e, por isso, prefere não comentar as acusações. No entanto, seu advogado Ticano Figueiredo afirmou que tudo isso se trata de mais uma tentativa de fazer “colar” em seu cliente mais um escândalo de corrupção.
Advogado de Funaro, Bruno Espiñeira Lemos disse que está concentrando sua defesa apenas em informações do FI-FGTS e que, até o momento, seu cliente não tratou com ele sobre sua atuação no mercado financeiro a respeito de fundos de pensão.
Perguntada, a Cedae afirma que o período analisado não corresponde ao da atual gestão e que Cunha nunca ocupou cargo na companhia. “Não há relação entre o ex-deputado e a administração da Cedae, que está à disposição da Justiça para esclarecimentos”. A empresa não respondeu sobre os dados do prejuízo da Prece apontados no relatório ao qual O GLOBO teve acesso.
A partir de 2007, após a assinatura de um convênio da Caixa Econômica Federal com o governo do Rio, o esquema se sofisticou — e o patrimônio da previdência complementar da Cedae, a Prece, passou a ser dilapidado de forma acelerada, com operações de compra e venda de papéis podres, superfaturamento na aquisição de materiais e investimentos incompatíveis com a realidade do fundo.
Segundo as investigações, a “parceria” permitiu que Cunha ampliasse o loteamento de cargos na diretoria e no Conselho Deliberativo da Cedae e da Prece, nomeando operadores responsáveis por investimentos do fundo de pensão no mercado financeiro.
Logo após o convênio entrar em vigor, a Caixa cedeu à Prece o funcionário Milton Luis de Araújo Leobons, próximo ao ex-deputado, para ocupar o cargo de diretor de investimento do fundo de pensão. Quatro anos depois, Cunha conseguiu emplacar Fabio Cleto, um ex-parceiro de Funaro nas mesas de operações de São Paulo, na vice-presidência da Caixa. Daí em diante, as operações cresceram em ritmo acelerado.
Com objetivo de captar melhores opções de aplicações no mercado financeiro que servissem ao esquema, Leobons contratou e patrocinou cursos de especialização formando o que nos corredores da Prece foi chamada de “escola do crime”, um time de jovens investidores que atuariam sob sua coordenação.
O GLOBO identificou ao menos cinco desses operadores que foram escolhidos para atuar no mercado financeiro e receberam treinamento e cursos de mestrado em institutos como IBMEC e FGV. O “investimento” custou aos cofres da Prece cerca de R$ 370 mil.
A saga de operações controversas capitaneadas por Leobons começou a fazer água em 2010, com uma transação de R$ 15 milhões na compra de papéis junto ao Banco Cruzeiro do Sul, uma aplicação que deu errado e não tinha praticamente nenhuma garantia. Denunciado à Previc, que fiscaliza os fundos de pensão, ele foi punido com multa em 2014 e se tornou alvo de um processo de inabilitação para operar aplicações do fundo. Leobons, porém, seguiu à frente da Prece até março deste ano. Hoje, ele está inabilitado por tempo indeterminado de atuar em qualquer tipo de operação financeira.
Houve outros gastos contestados em sua gestão. Como o convênio firmado entre a Caixa e o governo do Rio previa um ressarcimento pela cessão do funcionário, a Prece pagou R$ 8,76 milhões em salários e outros benefícios durante os dez anos em que ele ficou à frente da diretoria. Quem assumiu o cargo com a saída de Leobons foi Antonio Carneiro Alves, ex-gerente de investimentos contratado pelo próprio Leobons.
O GLOBO tentou ouvir Leobons por meio da assessoria da Prece, mas não obteve autorização. A defesa de Cleto não foi localizada pela reportagem.