Última atualização em 24/06/2014 por admin
Para economista, fenômeno de trabalhadores pessoa jurídica tem proporções inéditas, afeta arrecadação e põe sistema em xeque
O crescimento do número de pessoas que se “transformam em empresa” para pagar menos impostos pode ter atingido, no Brasil, uma extensão inédita no mundo. Isso obrigará as futuras discussões sobre reforma tributária tenham esse tema na pauta, dado seu efeito sobre a arrecadação da Previdência. É o que afirma o economista José Roberto Afonso, do Ibre-FGV, no estudo “IRPF e desigualdade em debate no Brasil: o já revelado e o por revelar.”
No trabalho, Afonso analisou estatísticas sobre o pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) produzidos pela Receita Federal. Ficou com a impressão que o fenômeno de “transformação de trabalho em capital”, embora conhecido e aparentemente intenso, não está no centro do radar do governo e até mesmo dos estudiosos da distribuição de renda.
“É grave o País não saber ao certo quantos são e quem ganha as rendas mais elevadas e as riquezas de maior porte”, comentou ele, em entrevista ao Estado. “O debate sobre distribuição de renda e equidade fiscal pode eventualmente mudar de rumos se tivermos mais e melhores dados fiscais.” A falta de estatísticas mais detalhadas sobre a renda no Brasil ganhou evidência depois de o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller Capital no século XXI, dizer que não estudou o País por falta de dados. Mas, diz Afonso, essa realidade é velha conhecida dos pesquisadores brasileiros.
Na falta de informações mais completas, ele analisou as estatísticas disponíveis e reuniu um conjunto de pistas que reforçam a necessidade de olhar com mais atenção para os trabalhadores “PJ”. A evidência mais forte, diz ele, é que no período entre 1999 e 2011as rendas declaradas e tributadas por meio da tabela do IRPF cresceram menos do que as que não são. O total de rendimentos informados somavam, em 1999 (ano-base 1998), o equivalente a 31,89% do PIB. Em 2011 (ano-base 2010), eram 41,57% do PIB, um avanço de 10 pontos porcentuais.
No mesmo período, os rendimentos tributáveis pela tabela passaram de 22% do PIB para 25,1% do PIB, um avanço de três pontos. Já os rendimentos declarados, mas isentos de tributação passaram de 7,02% do PIB para 12,56% do PIB, um crescimento de 5,5 pontos. É nesse grupo, de maior expansão, que estão os lucros e dividendos.
Escapando da tabela. Outro indicativo de que as rendas podem estar “escapando” da tabela do IRPF é o perfil das pessoas que são tributadas por ela. O topo do grupo, com as maiores rendas, é formado por funcionários públicos, além de empregados de empresas estatais e de bancos. Não é exatamente um retrato da elite brasileira.
A suspeita é reforçada também porque o número de pessoas que declaram IRPF e informam que são empresários ou autônomos chega a 8,4 milhões, ante 6,7 milhões de empregados de empresas privadas. A desproporção chama a atenção, mesmo levando em conta que os funcionários públicos não estão nesse cálculo.
O crescimento dos trabalhadores “PJ” não é exclusivo do Brasil. Mas, observa Afonso, os números indicam que ele pode ser muito extenso aqui.
Antes restrito a salários muito altos, como os pagos aos artistas e jogadores de futebol, agora esse expediente vem sendo utilizado em larga escala. E há uma explicação para isso.
Do ponto de vista das empresas, a contratação de funcionários como pessoas jurídicas, ou “PJ”, reduz o pagamento de encargos e contribuições previdenciárias. Isso tem um atrativo especial no Brasil, pelo fato de o País cobrar a segunda maior contribuição para programas sociais das Américas: 37,65%, perdendo só para os 38,15% da Colômbia.
Daí porque essa tendência reforça as preocupações sobre o futuro da Previdência Social. O conjunto de contribuintes está cada vez mais restrito à base da pirâmide social. “É um erro crasso acreditar que basta tratar e ampliar os empregos de menor qualificação e baixa renda, girando em torno do salário mínimo, porque o sistema de proteção social brasileiro está baseado nos princípios de solidariedade e de subsídios cruzados”, afirmou. “Os mais ricos devem contribuir proporcionalmente mais que os mais pobres.”