Última atualização em 13/06/2014 por admin
Os órgãos reguladores e entidades ligadas ao mercado de capitais brasileiro têm mostrado preocupação com a forma como as companhias vêm listando os riscos que podem afetar seus negócios nos formulários de referência. O assunto ganhou corpo desde a audiência pública organizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no ano passado, com o objetivo de reunir sugestões que possam aprimorar o documento, obrigatório desde 2010 para empresas listadas.
A questão tem incomodado principalmente investidores, sejam profissionais ou pessoas físicas, e aparece em primeiro lugar na lista de sugestões de mudanças do documento reunidas pela autarquia. A audiência, que foi iniciada em março do ano passado, teve como pano de fundo a crise das empresas do grupo de Eike Batista. As propostas do mercado seguem em análise pela CVM.
A Previ, por exemplo, um dos maiores investidores institucionais do mundo, reclama da posição defensiva das companhias nos formulários e da burocratização das informações que se referem ao risco do negócio. “Entrada de concorrentes no setor, por exemplo, é um perigo óbvio e que pode ser mapeado com antecedência pelas companhias”, reclama o diretor de participações do fundo de pensão do Banco do Brasil (BB), Marco Geovanne. “É um risco que dificilmente vai prejudicar as ações da noite para o dia.”
A observação de Geovanne se embasa na constatação de que o risco de novos entrantes é apontado com frequência pelas empresas em seus formulários. E ganha peso demasiado em comparação a perigos de impacto eventualmente mais imediato. Estudo da KPMG, obtido com exclusividade pelo Valor e que levou em conta os documentos cadastrados na CVM de 232 companhias listadas na BM&F Bovespa, revela que esse risco aparece em 77% dos documentos em dez setores pesquisados no Brasil.
No setor financeiro, por exemplo, a ação da concorrência aparece em primeiro lugar entre os obstáculos mais citados nos formulários, por 79% das empresas, segundo a pesquisa da consultoria. O risco ligado a condições econômicas adversas – que poderia representar uma ameaça mais palpável ao segmento – aparece em quarto lugar, citado por 55% das companhias, atrás de risco de conflito de interesse entre controladores e minoritários, citado por 62% dos entrevistados. “Eu esperaria o oposto (risco de adversidade na frente de novos entrantes), mas foi a decisão da maioria [das empresas] reportar desta forma”, aponta o sócio da área de risco da KPMG, Sidney Ito.
Conforme a Previ, é muito comum as empresas procurarem ajuda de advogados especializados para produzir o conteúdo dos prospectos a fim de respeitar a exigência do órgão regulador e, ao mesmo tempo, evitar processos por conta de informações não mencionadas. “O resultado disso é um formulário com um tom legalista”, analisa Geovanne.
O fundo de pensão também relaciona a baixa qualidade dessa parte dos formulários à falta de cultura de algumas companhias brasileiras para entender quais são os riscos que podem prejudicar seus negócios. “Se a organização não mapeia esses riscos, não consegue detalhá-los”, alerta Geovanne.
Segundo a CVM, a parte dos formulários ligada aos riscos do negócio vem, inclusive, recebendo atenção especial da autarquia. “É uma das sessões mais questionadas dos formulários de referência, devido, principalmente, à generalização das empresas com o assunto”, afirma Fernando Soares Vieira, superintendente de relações com empresas do órgão regulador.
Além da postura defensiva, os formulários, na tentativa tentar abranger diversos assuntos, tornam-se documentos extensos e difíceis de serem lidos por conta da linguagem jurídica. “Assim como atas de assembleia geral, os formulários não têm uma linguagem amigável para o investidor, que deveria ser o maior interessado em seu conteúdo”, aponta Monique Skruzny, sócia-fundadora da americana MBS Value Partners, assessoria em comunicação para áreas de relação com investidores de corporações.
Monique pondera, no entanto, que os formulários brasileiros são completos e que passam por uma fase de amadurecimento. “O que deve mudar daqui para frente é a maneira como as empresas lidam com a responsabilidade de preenchê-los. Ou seja, devem deixar de enxergar os formulários como uma obrigação e passar a encará-los como uma ferramenta útil de comunicação com seus investidores”, acredita. A executiva endossa a ideia de que o documento, em muitos casos, deve ser feito pela parte jurídica da empresa, com pouca interferência do setor financeiro, que, porém, conhece melhor as necessidades dos investidores.