Última atualização em 11/06/2014 por admin
Os órgãos reguladores e entidades ligadas ao mercado de capitais brasileiro têm mostrado preocupação com a forma como as companhias vêm listando os riscos que podem afetar seus negócios nos formulários de referência. O assunto ganhou corpo desde a audiência pública organizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no ano passado, com o objetivo de reunir sugestões que possam aprimorar o documento, obrigatório desde 2010 para empresas listadas.
A questão tem incomodado principalmente investidores, sejam profissionais ou pessoas físicas, e aparece em primeiro lugar na lista de sugestões de mudanças do documento reunidas pela autarquia. A audiência, que foi iniciada em março do ano passado, teve como pano de fundo a crise das empresas do grupo de Eike Batista. As propostas do mercado seguem em análise pela CVM.
A Previ, por exemplo, um dos maiores investidores institucionais do mundo, reclama da posição defensiva das companhias nos formulários e da burocratização das informações que se referem ao risco do negócio. “Entrada de concorrentes no setor, por exemplo, é um perigo óbvio e que pode ser mapeado com antecedência pelas companhias”, reclama o diretor de participações do fundo de pensão do Banco do Brasil (BB), Marco Geovanne. “É um risco que dificilmente vai prejudicar as ações da noite para o dia.”
A observação de Geovanne se embasa na constatação de que o risco de novos entrantes é apontado com frequência pelas empresas em seus formulários. E ganha peso demasiado em comparação a perigos de impacto eventualmente mais imediato. Estudo da KPMG, obtido com exclusividade pelo Valor e que levou em conta os documentos cadastrados na CVM de 232 companhias listadas na BM&F Bovespa, revela que esse risco aparece em 77% dos documentos em dez setores pesquisados no Brasil.
No setor financeiro, por exemplo, a ação da concorrência aparece em primeiro lugar entre os obstáculos mais citados nos formulários, por 79% das empresas, segundo a pesquisa da consultoria. O risco ligado a condições econômicas adversas – que poderia representar uma ameaça mais palpável ao segmento – aparece em quarto lugar, citado por 55% das companhias, atrás de risco de conflito de interesse entre controladores e minoritários, citado por 62% dos entrevistados. “Eu esperaria o oposto (risco de adversidade na frente de novos entrantes), mas foi a decisão da maioria [das empresas] reportar desta forma”, aponta o sócio da área de risco da KPMG, Sidney Ito.
Conforme a Previ, é muito comum as empresas procurarem ajuda de advogados especializados para produzir o conteúdo dos prospectos a fim de respeitar a exigência do órgão regulador e, ao mesmo tempo, evitar processos por conta de informações não mencionadas. “O resultado disso é um formulário com um tom legalista”, analisa Geovanne.
Para a KPMG, a impressão é semelhante. “Muitas das vezes algumas empresas acabam copiando os fatores de risco de outras ou contratam assessores jurídicos que acabam repetindo alguns riscos”, diz Ito. Isso é percebível pelo número alto de companhias que não tem uma área interna de riscos, explica o porta-voz.
O fundo de pensão também relaciona a baixa qualidade dessa parte dos formulários à falta de cultura de algumas companhias brasileiras para entender quais são os riscos que podem prejudicar seus negócios. “Se a organização não mapeia esses riscos, não consegue detalhá-los”, alerta Geovanne.
Segundo a CVM, a parte dos formulários ligada aos riscos do negócio vem, inclusive, recebendo atenção especial da autarquia. “É uma das sessões mais questionadas dos formulários de referência, devido, principalmente, à generalização das empresas com o assunto”, afirma Fernando Soares Vieira, superintendente de relações com empresas do órgão regulador.
Nas supervisões preventivas que a comissão faz dos formulários, diz Vieira, todos eles voltam com exigências quanto à sessão de riscos que envolvem o setor ou às políticas de risco usadas pela organização. “Na condição de supervisora dessas informações, a comissão pode pedir mais clareza da empresa ou até questionar o porquê desse risco estar sendo mencionado como importante”, explica.
“Ser transparente e se fazer entender já é uma estratégia para estar à frente da concorrência”, acrescenta Eliane Lustosa, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A executiva disse que recebeu com surpresa o fato de empresas de quase todos os setores colocarem o risco da concorrência como uma das principais preocupações.
Além da postura defensiva, os formulários, na tentativa tentar abranger diversos assuntos, tornam-se documentos extensos e difíceis de serem lidos por conta da linguagem jurídica. “Assim como atas de assembleia geral, os formulários não têm uma linguagem amigável para o investidor, que deveria ser o maior interessado em seu conteúdo”, aponta Monique Skruzny, sócia-fundadora da americana MBS Value Partners, assessoria em comunicação para áreas de relação com investidores de corporações.
Monique pondera, no entanto, que os formulários brasileiros são completos e que passam por uma fase de amadurecimento. “O que deve mudar daqui para frente é a maneira como as empresas lidam com a responsabilidade de preenchê-los. Ou seja, devem deixar de enxergar os formulários como uma obrigação e passar a encará-los como uma ferramenta útil de comunicação com seus investidores”, acredita. A executiva endossa a ideia de que o documento, em muitos casos, deve ser feito pela parte jurídica da empresa, com pouca interferência do setor financeiro, que, porém, conhece melhor as necessidades dos investidores.
Na opinião de Marcelo Barbosa, advogado sócio do escritório Vieira Rezende – que assessora empresas na formulação do documento exigido pela CVM -, como as informações contidas no formulário são de responsabilidade dos executivos da companhia, nada mais natural que a publicação passe pelo crivo de um profissional da área jurídica. “Sob o ponto de vista da companhia, é importante garantir que a divulgação não fique nem aquém, nem vá além do exigido”, diz. “Uma informação desnecessária pode ter efeitos bem negativos para os negócios”, acrescenta.
Sobre a linguagem prolixa e burocrática, Barbosa explica que também é uma forma de proteção. “Informações muito simplificadas podem dar margem a interpretações e fazer com que o conteúdo perca consistência”, defende.
Para a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o que falta é dizer que tipo de concorrência exatamente a empresa vê como sua maior ameaça. “Estamos falando de concorrência do setor informal, da associada a uma empresa que tem acesso à crédito subsidiado, de companhias estrangeiras ou de outro tipo?”, questiona o presidente da entidade, Antonio Castro.
Outro detalhamento necessário, de acordo com o IBGC, é em relação às provisões ligadas por tipo de processo que a companhia venha a ter, “e não apenas o total global provisionado, permitindo melhor compreensão das contingências sem, no entanto, expor informações sensíveis”, coloca o instituto em sua contribuição a audiência pública