Última atualização em 17/02/2014 por admin
Alpino Ribeiro dos Santos não consegue se manter com a aposentadoria e já não tem idade para tocar sozinho a horta
Aos 65 anos e recém-aposentado, Alpino Ribeiro dos Santos não esconde a frustração ao falar do salário mínimo que, todos os meses, entra em sua conta bancária. Ele atuou, paralelamente, como contador e produtor rural por mais de 30 anos e alternou fases com carteira assinada e como trabalhador informal. No total, contribuiu 22 anos e oito meses à Previdência Social. Em alguns momentos, chegou a pagar a cota máxima sobre 10 salários. Já na terceira idade, na hora de fazer as contas, surpreendeu-se: o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deu a ele o direito de receber o piso do benefício, hoje de R$ 724.
“Com esse período todo de contribuição, achei que teria uma aposentadoria maior. O que ganho é muito pouco para sobreviver”, lamenta Alpino. Ele não tem esposa, nem filhos. Vive sozinho numa área de chácara, em Brasília, emprestada pelo governo aos produtores rurais. Lá, planta de tudo, mas principalmente verduras. Antes, comercializava a safra inteira. Agora, muita coisa se perde, pois ele não consegue pagar um ajudante para a colheita. “Um trabalhador rural cobra entre R$ 80 e R$ 100 por dia. Não consigo pagar. Uma roçadeira custa R$ 2,5 mil (ao mês). Além disso, a minha saúde não me permite mais acompanhar de perto a atividade”, conta ele, que sofre de labirintite.
O relato de Alpino é o retrato do que ocorre em boa parte do país. Quase a metade dos idosos recebe hoje entre US$ 4 (R$ 9,60) e US$ 10 (R$ 24) por dia de benefício, o equivalente a um salário mínimo ou menos. E a situação poder piorar.
O Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra que, daqui a 36 anos, o número de pessoas com idade superior a 65 anos deve aumentar em quatro vezes no país. Os octogenários serão seis vezes mais numerosos. Não à toa, a ampliação do total de idosos e a queda na taxa de natalidade colocam em xeque a capacidade do sistema de Previdência de sustentar o atual modelo e deixam os políticos em maus lençóis. Quando esse Brasil mais velho se tornar realidade, os idosos representarão até 30% do eleitorado.
EQUÍVOCOS
Para ter condições de sustentar esse grande contingente de futuros idosos, o governo reconhece que uma nova reforma é necessária, mas está distante de ocorrer. “O Congresso e a sociedade, sobretudo as centrais sindicais, estão com todas as atenções voltadas para o fator previdenciário, quando deveriam estar debatendo o futuro do sistema de aposentadorias e pensões. Não existe uma discussão mais ampla no Legislativo, como se não houvesse um sério problema a ser resolvido”, diz o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho.
No entender do ministro, os maiores prejudicados serão os jovens de hoje, que correm o risco de não terem uma Previdência capaz de ao menos garantir-lhes dignidade. “Grande parte dos problemas futuros poderiam ser evitados agora se tivéssemos um sistema com idade mínima para aposentadoria. O envelhecimento da população só é mais grave no Brasil porque as pessoas não têm consciência da importância de poupar e desconhecem a urgência de ter uma programa de aposentadoria saudável”, completa.
“Se for pagar um plano de saúde não terei o que comer” – Guaraci Leão, aposentado
Guaraci Leão, de 79 anos, conhece bem os problemas do sistema. “Aposentadoria nenhuma dá para viver bem na velhice. Os jovens não sabem, mas é preciso ser muito controlado com o dinheiro para viver bem quando ficarem velhos”, destaca o mineiro que vive em Brasília. Ele recebe R$ 3,3 mil por mês do INSS, sustenta a mulher, duas filhas e cinco netos que moram com ele. Quando jovem, trabalhava na área de transporte urbano. Contribuiu com a Previdência durante toda a vida, mas acredita que deveria ter um benefício maior.
“Pagando R$ 400 com água, R$ 800 com a luz e outros R$ 400 com telefone, já foi uma boa parte da aposentadoria. Às vezes, fico pensando como dou conta de tudo.”, ressalta Guaraci. “Felizmente, minha mulher me ajudou a economizar durante toda a vida. Sou grato a ela porque hoje tenho uma poupança que me serve de apoio”, completa. “Mesmo assim, não é fácil. Na hora do aperto, corro em busca de ajuda do Estado. “Saúde e remédios vêm do setor público. Se for pagar um plano de saúde, não terei o que comer”, admite. Para reduzir o sufoco e garantir o maios benefício possível, ele adiou o quanto pôde a aposentadoria. “Já tinha quase 70 quando pendurei as chuteiras. Fui obrigado”, afirma.
Três perguntas para Garibaldi Alves Filho – Ministro da previdência
1 – O que o ministério tem feito para garantir a sustentabilidade do sistema?
Se você considerar os últimos dois anos, na previdência urbana, foram tomadas iniciativas para atender a população mais carente, que não tem como contribuir, e que redundaram no déficit que temos hoje. E há um paradoxo nisso. Ao mesmo tempo que há a aposentadoria rural, que não é contributiva, existe a Previdência Pública (do funcionalismo), na qual se tinha (até dois anos atrás) uma legislação generosa e frouxa. Em 2012, havia um deficit de R$ 57 bilhões referente só aos 1,1 milhão de servidores da União. No Regime Geral (do trabalhador privado), por sua vez, a Previdência concede hoje mais de 31 milhões de benefícios (no total); e, no ano passado, registrou um deficit de R$ 51,3 bilhões.
2 – Há a possibilidade de que o Brasil estipule idade mínima para a aposentadoria?
Eu creio que, quando chegarmos a um entendimento com o Congresso para promover os ajustes e fazer uma nova reforma, vamos ter a oportunidade de estabelecer uma idade mínima. Como é que nós vamos ter a ilusão de continuar a aposentar as pessoas apenas por tempo de contribuição?
3 – E em relação ao investimento da Previdência Social para estimular a formalidade e a contribuição por parte
dos jovens?
O que acontece no nosso país é que, realmente, precisamos proteger os mais velhos, e os jovens, que as vezes precisam de investimentos maiores, não recebem nenhum. Já ouviram falar no dilema de Sofia? Nós não sabemos se protegemos melhor os velhos ou os jovens. Nós não podemos ter esse dilema. Em um país como o nosso, nós deveríamos ter uma consciência, uma educação previdenciária adequada. Quase não há escola que ensine isso.