Associação dos Participantes e Assistidos de Fundações e Sociedades Civis de Previdência Complementar da Área de Telecomunicações

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O STJ E OS PLANOS DE BENEFÍCIOS DEFINIDOS

Última atualização em 22/02/2023 por admin

Em recente decisão no caso envolvendo a Previdência Usiminas e a falida patrocinadora Cofavi e seus ex-empregados, o STJ decidiu ser obrigação de a entidade previdenciária assegurar o pagamento dos benefícios aos assistidos, mesmo quando a patrocinadora tenha falido.

Representante de Entidades Fechadas de Previdência Complementar classificou a decisão do STJ como equivocada, alegando que isso poderia trazer insegurança jurídica.

É de se perguntar, insegurança jurídica para quem? Na realidade, a decisão traz segurança jurídica  para os assistidos e participantes das entidades previdenciárias fechadas que operam planos de benefícios definidos, estando perfeitamente conforme com o que dispõe o Art. 3º da Lei Complementar 109/01:

“A ação do Estado será exercida com o objetivo de:

– omissis.

VI – proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.”

A obrigação legal das entidades fechadas patrocinadas exige dos administradores da entidade uma rigorosa gestão econômica e atuarial do plano de benefícios definidos, como também uma pronta cobrança das patrocinadoras  de contribuições, necessárias e suficientes à cobertura das obrigações estabelecidas no plano de benefícios.

Tanto assim é que, o Art. 63 da LC 109/01 responsabiliza os administradores da entidade, com poderes de gestão, por ação ou omissão por não cobrança.

O CAPÍTULO VIII do Decreto Nº 4.942, de 30 de dezembro de 2003, fixa penalidades para os atos ou omissões dos administradores.

Além das razões jurídicas que fundamentam a decisão do STJ, outras razões existem de natureza econômica e atuarial, que mostram bem o acerto do Tribunal. Vejamos duas.

1)       Razão Lógica 

Antes da regulamentação da previdência privada fechada, diante da redução do valor dos benefícios da Previdência Social, grandes empresas ofereciam aos seus empregados, através de planos organizados internamente à empresa, planos de complementação de aposentadorias do tipo de benefícios definidos.

As normas contidas nesses planos aderiam aos contratos  individuais de trabalho, passando a fazer parte desses contratos, como cláusulas implícitas.

Na maioria dos casos, os benefícios pós-emprego prometidos eram financiados por um esquema puramente orçamentário, de fluxo de caixa de despesas correntes; quando muito, era constituído um fundo contábil como reserva de cobertura para os benefícios prometidos, mas os recursos permaneciam em poder da empresa e usados em suas operações normais. O grande problema desses esquemas orçamentário e fundo contábil  era que, com a falência da empresa empregadora os assistidos perdiam suas aposentadorias e pensões, e os empregados ainda em atividade perdiam suas remunerações (salários e outros) e os seus benefícios previdenciários prometidos.

Procurando sanar esse tipo de problema nos Estados Unidos da América, o Congresso Americano aprovou em 1974 a chamada Lei ERISA, para a proteção dos participantes dos planos de benefícios definidos. Além de outros casos, essa Lei foi impulsionada pala falência em 1963 de uma das grandes fabricantes de automóveis, a Studebaker, deixando milhares de trabalhadores sem empregos e sem aposentadorias.

A Lei americana ERISA serviu de espelho para a nossa Lei 6.435/77, que iniciou em nosso País a regulamentação da previdência privada, visando proteger os interesses dos participantes dos planos de benefícios definidos.

Aqui trataremos apenas de planos de benefícios definidos de entidades fechadas instituídos por empresas patrocinadoras para seus empregados que, seguindo o uso no exterior, designaremos por previdência ocupacional.

A nossa Lei 6.435/77 foi regulamentada pelo Decreto Nº 81.240/78 que, em seu Art. 37, exigiu que as empresas que em 01/01/78 mantinham planos do tipo orçamentários ou de fundos contábeis, destinados à concessão de benefícios complementares aos benefícios da previdência social, fizessem adaptação à nova Lei, criando, para tal, entidades específicas para prestação dos benefícios. Ou seja, as empresas empregadoras foram obrigadas a externalizar suas obrigações previdenciárias, através de interposta pessoa jurídica, a entidade fechada de previdência privada.

Ora, tudo isso mostra bem que as entidades previdenciárias da previdência ocupacional  foram instituídas  com o objetivo de assegurar os pagamentos dos benefícios dos assistidos mesmo diante de casos de falência da empregadora-patrocinadora. Portanto, é lógico que nos casos de falência da patrocinadora a entidade previdenciária seja legalmente obrigada a continuar pagando os benefícios dos assistidos. 

2)                   Razão Econômica e Atuarial

Os primeiros planos formais de previdência ocupacional  nos Estados Unidos da América Foram estabelecidos por empresas ferroviárias, no final dos anos de 1800. Tratava-se de planos de benefícios definidos (pensions), financiados pelo esquema orçamentário, sem contribuição de empregados. Portanto, eram planos sem intermediação de uma entidade previdenciária, onde a própria empresa que fazia a promessa de benefícios pós-emprego geria o plano internamente, não havendo acumulação de reservas garantidoras.

Logo começaram discussões por economistas e atuários sobre a natureza dos benefícios prometidos, chegando-se no início de 1900 à conclusão de que os benefícios eram na realidade salários com promessa de pagamentos futuros, pós-emprego; ou seja, tratava-se de salários diferidos. Para o empregado, significava trabalhar hoje e receber parte da remuneração devida no futuro, sob forma de renda vitalícia na aposentadoria.

Depois as empresas passaram a executar o plano de previdência ocupacional não mais diretamente, porém através de interposta pessoa jurídica, o Trust ( em nosso direito o que mais se aproxima do Trust é o Agente Fiduciário ou a Fundação). Onde o empregador transferia recursos para o Trust, que assumia a obrigação de gerir o plano ocupacional e assegurar o pagamento dos benefícios, acumulando fundo garantidor para tal.

Então, a natureza dos benefícios passou a ser estudada dentro da Microeconomia, e depois dentro da Economia do Trabalho, quando trata dos denominados “Diferenciais Salariais Compensatórios”.

Segundo a Economia do Trabalho o empregado é pago no máximo pelo que os seus serviços valem, o que na linguagem da Economia é designado por produto da receita marginal (marginal revenue product). A Remuneração total do empregado é formada por pagamentos diretos (salários, sob a forma de dinheiro) e por pagamentos indiretos ( sob a forma de benefícios; tais como; INSS, vale refeição, vale transporte, plano de saúde, plano de previdência ocupacional etc.).

Se o trabalhador já tiver sendo pago pelo valor de seus serviços, ou seja, pelo produto da receita marginal, e se um novo benefício de remuneração indireta for incluído no pacote remuneratório, alguma outra coisa deve ser diminuída ou ser retirada da remuneração total; por exemplo, do salário (vemos isso com o plano de previdência ocupacional que cobra contribuições dos participantes. As contribuições dos participantes são na realidade reduções salariais, somente que feitas de forma a não causar problemas trabalhistas). Se isso não acontecer o empregador passará a remunerar o empregado mais do que o produto da receita

marginal. Esse ajuste é conhecido em Economia como diferencial compensatório, para que

não haja uma redução nos lucros da empresa empregadora.

Portanto, um fato fundamental acerca de benefícios previdenciários pós-emprego, prometidos pelo empregador num plano de benefícios definidos, por intermédio de uma entidade previdenciária, é que os benefícios são remunerações diferidas. Como são pagos em dinheiro são salários diferidos, que os aposentados têm direito como compensação por serviços prestados ao empregador quando estavam em atividade.

No Brasil a Emenda Constitucional Nº 20/88 incluiu esse fato na Constituição. Conforme  o § 2º do Art. 202, os benefícios concedidos integram a remuneração dos participantes, portanto, para todos os efeitos.

Pelo disposto na Constituição apenas os benefícios concedidos integram a remuneração dos participantes. Na realidade, a cada ano de serviços prestados para a empresa patrocinadora o empregado passa a fazer jus, a uma parcela de sua remuneração diferida sob a forma de benefício previdenciário, que passa a fazer parte de uma dívida crescente da patrocinadora para com o empregado, a ser amortizada no pós-emprego, quando o empregado estiver aposentado. Portanto a remuneração diferida deveria incluir não somente os benefícios concedidos, mas também as parcela acumuladas no decorrer da vida ativa do empregado. Para completar juridicamente o fato econômico, a Lei Complementar, no inciso I do Art. 14, dispôs que os planos prevejam o instituto do benefício proporcional diferido, em razão da cessação da relação emprego do participante empregado com a patrocinadora. Portanto, a entidade previdenciária está juridicamente obrigada a assegurar o pagamento dos benefícios concedidos, mas também do benefício proporcional diferido quando elegível. Portanto a gestão do plano de benefícios definidos tem de ser tecnicamente competente, não havendo lugar para investimentos  com função social ou investimentos com segurança que não seja de alta probabilidade. Enfim, são salários dos assistidos que estão em jogo.

E O CASO DE UM PLANO DE SAÚDE PRESTADO PELA ENTIDADE

PREVIDENCIÁRIA, VINCULADO AO PLANO DE BENEFÍCIOS DEFINIDOS?

Na linguagem de nossa seguridade social as prestações dividem-se em benefícios e serviços. Os benefícios são as prestações feitas em dinheiro; os serviços são as prestações feitas em natura, como é o caso de um plano de saúde.

Nos anos mais tarde da previdência ocupacional, as empresas além de prometerem aos empregados benefícios de aposentadorias e pensões, também prometiam serviços de assistência à saúde dos aposentados (como benefícios pós-emprego), normalmente financiados pelo método de despesas correntes ou orçamentário, dentro do pacote de remuneração total.

No Brasil, algumas empresas, que antes da formalização da previdência ocupacional ofereciam aos seus empregados planos de aposentadoria e serviços de assistência à saúde dos aposentados, passaram a oferecer assistência à saúde dos aposentados e pensionistas através de suas entidades previdenciárias, dentro do principio da complementação das prestações da Previdência Social (quando da promulgação da Lei 6.435/77 as prestações da previdência social incluíam também a assistência à saúde).

Para o esquema de custeio da assistência à saúde gerida pela entidade previdenciária, patrocinadoras e atuários optaram por um modelo semelhante ao do plano previdenciário de benefícios definidos, tratando o plano de assistência à saúde como um plano de prestações definidas, uma vez que o padrão e abrangência das prestações eram estabelecidas em regulamento.

No plano previdenciário do tipo de benefícios definidos quando o participante se aposenta é fixado o valor real do seu benefício, que assim permanece enquanto ele viver, apenas o quanto ele ainda viverá é aleatório. No plano de assistência à saúde os custos mensais de assistência ao aposentado são aleatórios; além disso, os custos crescem com o aumento da idade do assistido e crescem anualmente com a chamada inflação médica, o que complica bastante a gestão econômica e atuarial do plano.

Diante dessa diferença, os atuários desenvolveram um esquema de custeio combinando técnica de seguros de curto prazo dos seguros de risco com a técnica de seguros de longa duração dos seguros de vida.

Com isso, além da constituição de um fundo garantidor das prestações, como acontece no plano de benefícios definidos, no plano de saúde também foi prevista contribuição nivelada mensal pela patrocinadora durante toda a vigência do plano.

Sendo as prestações de assistência à saúde do aposentado uma promessa feita pela empresa empregadora feita ao empregado quando ele trabalha, portanto fazendo parte de sua remuneração total, valem as mesmas considerações feitas na Economia do Trabalho quanto  aos diferenciais salariais compensatórios e do produto da receita marginal. Dessa forma, as prestações de assistência à saúde do aposentado patrocinadas pela empresa empregadora  do assistido são, de fato, remunerações diferidas, sendo obrigação da entidade previdenciária privada fechada de assegurá-las mesmo no caso de falência da patrocinadora.

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São Paulo, fevereiro de 2023.

Núcleo de Estudos e Investigação-NEI, ASTEL-ESP.

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